Contribuintes vencem no STJ julgamento inédito sobre amortização de ágio em operações societárias (Resp 2026473)
O caso, analisado pela 1ª Turma, é da Cremer, que, no TRF4, afastou cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL pela Receita Federal. A decisão do STJ foi dada em sede de Recurso Especial interposto pela Fazenda Nacional em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que afastou a tributação sobre ágio amortizado na apuração do lucro real nos exercícios seguintes à incorporação da Cremerpar pela Cremer S.A., ocorrida no ano de 2004.
A operação que gerou o ágio foi a aquisição indireta do controle da Cremer S.A. pelo banco Merrill Lynch, que ocorreu em quatro etapas, três das quais resultaram em ágio:
a) os controladores da Cremer S.A. integralizaram suas participações na Cremerpar, constituída especificamente para tal propósito. Como a Cremer S.A., ao tempo da integralização, possuía patrimônio líquido negativo, entendeu-se que qualquer valor “pago” na aquisição de ações da companhia resultaria na formação de um ágio (“Ágio 1”);
b) na sequência, a Cremerpar adquiriu, através de uma Oferta Pública de Aquisição de Ações (“OPA”), participações dos acionistas minoritários suficientes para o fechamento do capital da Cremer S.A., utilizando os valores subscritos e integralizados na Cremerpar pelo Merrill Lynch. O registro do ágio se deu em virtude de o montante pago pelas ações dos minoritários ter sido superior ao valor do patrimônio líquido das ações, em razão de estar negativo (“Ágio 2”);
c) a Cremerpar realizou aumentos de capital na Cremer S.A., sendo que todos os aportes feitos enquanto o patrimônio líquido estava negativo foram registrados como ágio (“Ágio 3”); e
d) a Cremerpar foi incorporada pela Cremer S.A., que passou a amortizar o Ágio 1 e o Ágio 3.
A Receita Federal não questionou a amortização do Ágio 2, mas autuou a Cremer S.A. com relação às amortizações dos Ágios 1 e 3.
O TRF4 havia validado a reorganização societária, permitindo a amortização do ágio, mas a Fazenda Nacional recorreu, argumentando que as operações não tinham substância econômica e que visavam apenas obter vantagens fiscais através da amortização de ágio, ressaltando que a dedutibilidade de ágio é uma exceção.
Para o relator, ministro Gurgel de Faria, a mera existência de uma empresa veículo não impediria a amortização do ágio. Ainda, segundo Faria, a formação de ágio interno, ou seja, entre empresas do mesmo grupo econômico, também não havia sido proibida até 2014, quando o artigo 22 da Lei n.º 12.973/2014 passou a vedar expressamente a amortização nesta hipótese.
O ministro defendeu que a rejeição à utilização de empresas veículo para formação de ágio contraria o disposto no art. 2º, § 3º da Lei n.º 6.404/1996, que faculta a criação de holding como meio de realizar objeto social ou para benefício de incentivos fiscais, não havendo qualquer proibição da utilização de sociedade empresarial como veículo para facilitar a realização de negócio jurídico.
A Primeira Turma consignou que “embora seja justificável a preocupação quanto às organizações societárias exclusivamente artificiais, não é dado à Fazenda, alegando buscar extrair o ‘propósito negocial’ das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre ‘partes dependentes’ (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via ‘empresa-veículo’; ou seja, não é cabível presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações são desprovidos de fundamento material/econômico”.
Além disso, entendeu que, se a preocupação da autoridade administrativa é quanto à existência de relações exclusivamente artificiais, compete ao Fisco, caso a caso, demonstrar a artificialidade das operações, mas jamais pressupor que a existência de ágio entre partes dependentes ou com o emprego de empresa-veículo já seria por si só, abusiva.
O voto do relator foi acompanhado de forma unânime pelos demais ministros, formando o primeiro precedente da 1ª Turma, e do próprio STJ, sobre o tema.
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STJ decide que cabe incidente de desconsideração da personalidade jurídica de forma expansiva para atingir “sócio oculto”
No julgamento do Recurso Especial n.º 2055325, a Terceira Turma entendeu que é possível a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para comprovar a utilização de “sócio oculto” em atividade empresarial. Na ação, a sociedade credora recorreu de decisão que não acatou seu pedido de inclusão de sócio oculto em polo passivo de execução contra empresa individual e que não teria como arcar com todo o valor da execução.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi instaurado buscando responsabilizar o sócio de fato da sociedade, que supostamente utilizava de uma “sócia laranja”, pois na realidade era ele quem conduzia os negócios.
O juízo de primeiro grau extinguiu o incidente sob a justificativa de que faltava à empresa credora interesse processual, pois o real objetivo seria o reconhecimento da sociedade de fato existente entre o “sócio oculto” e a “sócia laranja”.
A sociedade credora interpôs agravo de instrumento contra a decisão de primeiro grau, que foi confirmada pelo TJMG, e então interpôs recurso especial.
O julgamento teve início em agosto, mas foi suspenso após pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Na primeira parte do julgamento, a relatora, ministra Nancy Andrighi, deu provimento ao recurso sob os fundamentos de que “a inexistência de separação entre o patrimônio pessoal e aquele utilizado no exercício da atividade pelo empresário individual enseja sua responsabilidade ilimitada” e “a pretensão de expansão da responsabilidade patrimonial a sócio oculto está adequada aos objetivos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica”.
O julgamento foi retomado na sessão de 12 de setembro, oportunidade em que o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ao proferir seu voto-vista, consignou que “apesar da idiossincrasia aparente da utilização do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em demanda na qual inexiste pessoa jurídica (art. 44 do Código Civil) e, consequentemente, personalidade jurídica a ser desconsiderada, dada a condição de empresária individual da executada, tal circunstância não representa impedimento ao aproveitamento do incidente”.
A Terceira Turma, por fim, deu provimento ao recurso por unanimidade, determinando o retorno dos autos à origem para processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em face do “sócio oculto”.
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TJSP decide como deve ocorrer a prestação de contas em Sociedade em Conta de Participação
No julgamento do Agravo de Instrumento n.º 2013745-47.2022.8.26.0000, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial reconheceu a necessidade de o sócio ostensivo detalhar como foram empregados os valores investidos pelo sócio participante. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto em face da sentença que julgou procedente a Ação de Exigir Contas proposta pelo autor/agravado.
O autor/agravado sustenta que investiu R$100.000,00 em uma sociedade em conta de participação que administrava franquias da rede Subway, mas que não lhe foram fornecidas informações satisfatórias em relação à forma como o dinheiro investido foi despendido e o retorno obtido.
Os réus/agravantes sustentaram que na sociedade em conta de participação, a prestação de contas é feita por meio de planilhas gerenciais, “de forma que não possui e não necessita de um balanço patrimonial assinado pelos profissionais competentes correspondentes, na medida em que seu resultado, em regra, é diferente do dá sócia ostensiva (…)”, além de que “o contrato de constituição da SCP em questão, que é o documento que rege a relação entre as partes na lide, não traz obrigação específica nesse sentido, mas tão apenas a obrigação de prestação de contas e caráter genérico (…)”.
O TJSP entendeu que a prestação de contas deve ser realizada na forma “adequada”, como previsto no art. 551 do CPC/2015, “que importa em que seja instruída com os documentos justificativos, ‘de maneira que seja possível efetuar a conferência dos valores dispostos em lançamentos, com a demonstração compreensível da evolução de valores, sendo imprescindível a exibição conjunta da documentação capaz de respaldar os dados apresentados, atinentes a receitas, despesas, investimentos ou a saldos apurados’”, entendendo que as planilhas gerenciais fornecidas pelos réus/agravantes eram insuficientes.
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https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?conversationId=&cdAcordao=17132669&cdForo=0&uuid
Supostas práticas irregulares em plataformas de crowdfunding são, pela primeira vez, caso de julgamento na autarquia
Sociedades e diretores são absolvidos diante acusação de infração a dispositivos legais em plataformas eletrônicas de investimento participativo. Plataforma especializada em crowdfunding, companhia emissora de ofertas e seus respectivos diretores foram acusados de infrações à Instrução CVM n.º 588/2017 (“ICVM n.º 588”). As sociedades teriam divulgado informações falsas ou enganosas, criando condições artificiais de demanda prejudiciais a investidores.
O cerne do processo foram as transferências diretas realizadas pela plataforma eletrônica para a conta da emissora antes do encerramento da oferta. Ao transferir os investimentos antes de finalizar o prazo de captação, a plataforma teria distribuído valores mobiliários de oferta pública ainda em andamento fora do ambiente de crowdfunding, o que é vedado pela ICVM n.º 588.
Quanto à companhia emissora, questionou-se que 52% do valor captado, que chegou a R$1,7 milhão, adveio do investimento de sociedade terceira ligada à emissora e 10 colaboradores próximos ao seu diretor responsável. Assim, a autarquia especulou que a emissora teria interferido diretamente no resultado da oferta, e, ao deixar de divulgar a informação, prejudicado outros investidores.
A julgadora do caso argumentou que não foi possível provar a conduta dolosa da plataforma de crowdfunding e da emissora de criar condições artificiais. Ademais, concluiu que as irregularidades não resultaram em prejuízos aos investidores e não foram intencionais, mas sim decorrentes de falhas operacionais.
Pela incapacidade de demonstrar o intuito das sociedades de criar condições irregulares que provocassem alterações no fluxo de compra, os acusados foram absolvidos pelo Colegiado.
Disponível em:
https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/anexos/2023/
20230927_pas_cvm_19957_001621_2020_91_diretora_flavia_perlingeiro_voto.pdf
Efeitos do inadimplemento a contrato de trato sucessivo com cláusula de take or pay é pauta de julgamento do Supremo tribunal de Justiça
Tribunal decide que cláusula de take or pay não confere ao comprador o direito ao recebimento do produto correspondente, mesmo que o consumo mínimo não seja efetivo. A sociedade compradora assumiu a obrigação de pagar por uma quantidade mínima de volume de gás especificada no contrato, ainda que o produto não fosse completamente consumido, obrigando a compradora a pagar pelo produto independentemente de flutuação da sua demanda. Dois meses após a celebração, a compradora deixou de consumir o produto e arcar com as parcelas resultantes da cláusula de take or pay.
Analisando o caso, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que a cláusula de take or pay apenas produzirá efeitos quando não ocorrer o consumo mínimo estabelecido no contrato, ou seja, sendo o consumo superior ou o mínimo estabelecido, o preço devido passa a ser o efetivamente consumido. Portanto, ao não consumir sequer o mínimo pactuado, a aplicação da cláusula prevalece, sendo a sociedade compradora, de fato, devedora dos montantes relativos ao volume mínimo. A desconsideração do risco assumido pela compradora acarretaria a ineficácia da cláusula de take or pay. Pautando-se neste argumento, afasta-se o enriquecimento ilícito da sociedade fornecedora de gás levantado em instâncias mais baixas.
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Penhora sobre créditos futuros é medida suspensa por incidência de meio repetitivo
Companhia em recuperação judicial não teve seus créditos futuros penhorados devido à equiparação da medida à de penhora sobre faturamento, tema em discussão pelo STJ. O pedido questionado pretendia a penhora de 5% de todos os créditos decorrentes de transações comerciais realizadas com os três maiores clientes da sociedade empresária limitada. A sociedade prejudicada, inconformada, argumentou pela equiparação do pedido formulado de penhora de créditos futuros ao de penhora de faturamento da sociedade.
A instância superior de São Paulo observou que não foram apresentadas classificações claras quanto à natureza dos créditos, o que justificava a equiparação das tipologias. Mesmo que a penhora se destinasse apenas aos créditos de três clientes, o faturamento obtido pelas transações comerciais da sociedade com os referidos clientes representava metade do faturamento total.
Dito isso, o tribunal concluiu que a equiparação entre as situações não era descabida. Pelo contrário, acolheu os argumentos, suspendendo a medida, com base no Tema Repetitivo n.º 769, que aborda a possibilidade ou não de penhora sobre o faturamento de sociedades.
Ainda não há previsão para o julgamento do tema, de modo que o efeito suspensivo apenas findar-se-á após prolatada a decisão do STJ a respeito do repetitivo.
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