A Lei n.º 13.874/2019 (“Lei da Liberdade Econômica”) representou um verdadeiro marco no ordenamento jurídico brasileiro, promovendo atualizações legislativas relevantes, com o intuito de desburocratizar e assegurar maior segurança jurídica ao desenvolvimento de atividades econômicas no país. Dentre os temas disciplinados, cabe destaque a afirmação da natureza jurídica dos fundos de investimento, agora considerados legalmente como condomínios de “natureza especial”, nos termos do artigo 1.368-C da Lei n.º 10.406/02 (“Código Civil”), dispositivo por sua vez instituído pela própria Lei da Liberdade Econômica.
Antes da entrada em vigor da Lei da Liberdade Econômica, devidamente regulamentada pela Resolução CVM n.º 175 no que diz respeito ao regime legal dos fundos de investimento, o tema da responsabilidade dos quotistas de fundos foi alvo de intenso debate pela comunidade jurídica e pelos demais players do mercado, notadamente no que diz respeito à extensão de tal responsabilidade sobre eventuais obrigações dos fundos em situações de patrimônio líquido negativo.
Até então, em razão da inexistência de regramento específico, os fundos de investimento eram considerados como de natureza jurídica condominial, e, portanto, sem personalidade jurídica, haja vista a não inclusão desse instituto no rol taxativo das pessoas jurídicas estabelecido no artigo 44 do Código Civil. O principal efeito dessa caracterização, que gerava considerável desconforto entre os investidores dos fundos constituídos segundo o ordenamento pátrio, é que em razão da ausência de personalidade jurídica própria, os fundos de investimento não possuiriam também a autonomia patrimonial atribuída às pessoas jurídicas e, consequentemente, inexistiria limitação de responsabilidade dos quotistas frente às obrigações dos fundos – até pela disposição expressa do artigo 1.315 do Código Civil, que determina que “o condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita”.
Nesse sentido, a Lei da Liberdade Econômica, por meio de atribuição da redação aos artigos 1.368-C e 1.368-D do Código Civil, (a) afastou expressamente a ideia de que as regras dos condomínios em geral dispostas nos artigos 1.314 ao 1.358-A do Código Civil seriam aplicáveis ao fundo de investimento; e (b) estabeleceu a possibilidade de o regulamento de um fundo de investimento estabelecer limites à responsabilidade de seus quotistas ao valor de suas quotas.
No entanto, o legislador, ao editar a Lei da Liberdade Econômica, previu ainda a competência da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) para regulamentação específica dos fundos de investimento (art. 1.368-C, §2º da Lei n.º 10.406/02), inclusive no que tange à limitação de responsabilidade do quotista referida acima. . Para tanto, a autarquia editou a Resolução CVM n.º 175, em 28/12/2022, estabelecendo um novo e inovador marco regulatório sobre o tema.
Até o momento, a Resolução n.º 175, que substituiu uma série de normas anteriores sobre a temática, com destaque para a revogação das Instruções da CVM n.º 356/2001, 472/2008, 555/2014 e 578/2016 , conta com os anexos referentes aos Fundos de Investimento Financeiro (“FIF”) – Anexo Normativo I – e dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”) – Anexo Normativo II. A expectativa é, ainda, que até abril de 2023 sejam incluídos os anexos normativos referentes aos Fundos de Investimento Imobiliário (Anexo Normativo III), dos Fundos de Investimento Previdenciário (Anexo Normativo IV), dos Fundos de Investimentos Negociados em Bolsa, os ETFs (Anexo Normativo V), dos Fundos Mútuos de Privatização-FGTS (Anexo Normativo VI), dos Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (Anexo Normativo VII), dos Fundos de Aposentadoria Programada Individual (Anexo Normativo VIII), dos Fundos Mútuos de Ações Incentivadas (Anexo Normativo IX), dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Anexo Normativo X), dos FIDC-FIPS (Anexo Normativo XI) e, finalmente, dos Fundos Previdenciários (Anexo Normativo XII).
No ponto que interessa ao presente texto e em regulamentação das disposições da Lei da Liberdade Econômica, ficou estabelecido pelo artigo 48, §2º, inciso II, da Resolução CVM 175 que ao próprio regulamento do fundo caberá dispor sobre o regime de responsabilidade dos quotistas, determinando se estará limitada aos valores por eles subscritos ou se será ilimitada – em consonância com o artigo 1.368-D, I, do Código Civil, introduzido pela Lei da Liberdade Econômica.
Caso o regime de limitação de responsabilidade seja escolhido, na denominação do fundo deverá constar expressamente o sufixo “Responsabilidade Limitada” (art. 6º, §3º). Se houver previsão de responsabilidade ilimitada, o investidor deverá assinar termo de ciência de assunção de responsabilidade ilimitada (conforme disposto pelo Suplemento A da Resolução), podendo responder por eventual patrimônio líquido negativo do fundo.
É inquestionável que tal medida representa notório avanço para o mercado de fundos de investimento no Brasil, uma vez que, considerando a previsão do regime de responsabilidade dos quotistas pelos próprios regulamentos, a expectativa é de que a latente insegurança antes enfrentada pelos quotistas quanto às suas obrigações seja ao menos minimizada.
O time do Santana Carvalho permanece à disposição para sanar eventuais dúvidas sobre a temática.
Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol175.html
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm